Alô, Alô, TI! Como a tecnologia pode promover (ou não) inclusão
Texto publicado originalmente na Revista Pais & Filhos.
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14/03/2022 - Por Claudia Werneck
A sociedade é contraditória: veloz para discriminar, lenta para encontrar soluções inclusivas. Com a tecnologia não é diferente. Trata estudantes com deficiência, principalmente vivendo em regiões mais empobrecidas, como zumbis.
Por que "zumbis"? Porque embora sejam pessoas vivas são tratadas como se não estivessem vivas, ainda que volta e meia apareçam nas lives e redes sociais. O grupo mais afetado é a infância.
São crianças e adolescentes que enfrentam o desinteresse frequente das redes públicas e particulares de ensino em lhes oferecer simultaneamente Libras, legenda, audiodescrição e linguagem simples em suas plataformas de EAD. Enfrentam, também, a baixa conectividade dos lares onde moram, muitos na periferia urbana e rural. Sem acesso à educação digital, estudantes com deficiência e transtornos globais do desenvolvimento estão cada vez mais distantes das demais pessoas de suas gerações, e consequentemente deixam de ser percebidas como parte delas. A exclusão aumenta inexoravelmente.
A pandemia e o isolamento social da Covid-19 colocaram luzes em uma antiga distorção social. Aconteceu quando a educação à distância (EAD) se tornou, por meses e até anos, a única opção para estudantes acessarem aulas escolares.
Como se sentem crianças e adolescentes com vida e avidez por conteúdo e educação, ao perceberem que estão mortas, na prática, para quem decide a tecnologia que vai ser utilizada para as EADs oferecidas no Brasil?
Não há como praticar inclusão sem transformar a comunicação. Não há como transformar a comunicação sem o apoio de tecnologias digitais acessíveis. Mas como mobilizar o mundo das TICs rumo a processos de inclusão, especialmente no âmbito da educação inclusiva?
Até agora, o esforço maior tem sido em desenvolver plataformas destinadas a garantir acessibilidade apenas para um tipo de deficiência. Queremos mais, principalmente no campo da educação inclusiva online.
Por tudo isso, a ONG Escola de Gente - Comunicação em Inclusão decidiu expandir o seu aplicativo de cultura acessível VEM CA para um amplo espaço público e acessível de educação online. Este app foi lançado em 2019 e tem mais de 21 mil pessoas usuárias. Acaba de ser reconhecido pela UNDESA/ ONU como uma das “400 Melhores Práticas do Mundo” na direção das SDGs. O app VEM CA também é um dos projetos vencedores do Prêmio Zero Project 2022.
A decisão de usar o aplicativo VEM CA como tecnologia educacional digital foi inspirada nas pesquisas do Comitê Gestor da Internet (TIC 2020). No Brasil, 99% da população acima de 10 anos usa o celular como principal meio de acesso à internet. E 58% deste grupo, em especial populações mais empobrecidas, acessam a internet apenas pelo celular.
O uso de aplicativos de celular totalmente acessíveis como tecnologia educacional digital inclusiva não é comum no Brasil, mas poderá ser uma boa solução para os próximos anos que se prometem instáveis. É viável e consistente ter um aplicativo acessível que possa ser utilizado dentro e fora das escolas, que seja prático e fácil de baixar na maioria dos celulares, mesmo os mais antigos.
O app VEM CA não escolhe deficiências. O app VEM CA não escolhe pessoas. Seu desafio é fomentar o encontro, no online, de todos os modos de comunicação legitimamente humanos, para que interajam entre si, livres e sem barreiras. E esta é a experiência que precisa ser replicada em todas as salas de aula, para que as novas gerações cresçam imersas no conceito e na prática de uma sociedade inclusiva. E assim passem a promovê-la em cada instante de suas vidas. E por toda a vida.