Quando o “se estudar, você chega lá” é uma angústia. Não um incentivo
texto publicado originalmente pela RADIS/FioCruz
Por: Pedro Prata.
A educação se debruça há anos em investigações sobre como algumas pessoas avançam com mais desenvoltura no processo de aprendizagem enquanto outras enfrentam mais dificuldades. Estas análises podem ser organizadas em dois caminhos: o primeiro se baseia em elementos externos ao indivíduo. São questões como sistema educacional, preparo de professores, suporte da família e comunidade, formação dos pais, renda e metodologias pedagógicas.
O segundo é o que levanta informações sobre obstáculos que seriam intrínsecos aos indivíduos. Aponta para soluções de perspectivas discriminatórias de gênero, etnia, orientação sexual e identidade de gênero e presença ou não de deficiência. Podemos perceber uma certa linearidade pedagógica para cada grupo. A primeira fase é a negação da educação. Estes segmentos não têm direito à escola e a comunidade não se perturba com sua ausência. A segunda é o surgimento de centros específicos: colégio de meninas, universidade para negros, escola especial para quem tem síndrome de Down. Já a terceira é quando a escola mais próxima do ideal é aquela em que mais “tipos” são acolhidos. Vão-se desconstruindo dogmas e criando soluções para que todos aprendam juntos e, mais ainda, percebe-se que aprender junto é uma alavanca estruturante para o aprendizado.
Há, no entanto, pessoas com limitações de aprendizagem mas que são reconhecidas pelas políticas públicas e ainda estão em pouquíssima produção científica. Têm cognição possível de ser classificada como restrita e impedimentos em um nível de linguagem corriqueiro. Não são capazes de interpretar uma matéria de jornal, compreender o noticiário no rádio ou produzir algum tipo de conteúdo sobre o tema. E não estamos falando somente de transtornos de aprendizagem. É um universo bem mais amplo.
Uma pesquisa realizada na Universidade de Hamburgo encontrou resultados interessantes em testes com 7.035 indivíduos de 18 a 64 anos. Cerca de 40% dos entrevistados apresentaram algum tipo de limitação de linguagem. 14% não possuem habilidades mínimas de manuseio com a língua. Para 26%, estas habilidades são pobres, ou seja, até mesmo palavras rotineiras são lidas e escritas vagarosamente e com erros. No geral, são pessoas que evitam ao máximo ler e escrever. Estamos falando de 20 milhões de germânicos adultos que podem ler uma notícia no Bild Zeitung, periódico de maior circulação, mas não compreender a mensagem. Investigações na França e na Inglaterra revelam dados bastante semelhantes. No Brasil, ainda não há - ou não encontrei - pesquisas similares.
Há uma constância na relação entre dois eixos: idade e limitação. Ou seja, pessoas de diferentes gerações têm características muito parecidas em suas capacidades de compreensão linguística. A proporção desta limitação em pessoas de 18 a 29 anos é praticamente a mesma de quem tem de 50 a 64 anos. Já na comparação entre sexos, a constatação é inversa. Na disfunção mais profunda, a quantidade de homens é 50% maior que a de mulheres. Na dificuldade mais branda, esse abismo cai, mas ainda há 10 pontos percentuais a mais de homens do que de mulheres. Estes dados revelam que não estamos tratando de uma questão puramente de letramento. Pessoas alfabetizadas com métodos diversos e até mesmo em sistemas educacionais discordantes - a Alemanha eram dois países até a década de 80 - apresentam limitações cognitivas muito parecidas.
É, portanto, um tema da linguagem. Por isso, as soluções são comunicacionais. Estão diretamente vinculadas ao direito humano à comunicação, de maneira ampla, expandida e libertária. A estratégia escolar para este grupo de pessoas que apresenta limitações de aprendizagem demanda investigações que perpassam os dois grandes caminhos das pesquisas em educação. Por um lado, está relacionada com o meio social, já que envolve linguagem usada até em dispositivos rotineiros. Por outro, encontra uma nova fronteira de características individuais ainda pouco descortinadas e que, por isso, atinge pessoas que enfrentam discriminações quase imperceptíveis.
A jornada, também neste caso, são a inclusão e a acessibilidade. Mas por roteiros que ainda precisamos descobrir. Talvez, a pessoa que você conhece não tenha “chegado lá” por falta de estudo, mas por estar imersa em um modelo de educação que ainda não percebeu a importância da relação entre aprendizado e complexidade de linguagem.